Dar nome à Traça
Responsáveis pelo projeto: Catarina Silva; Isabel Cunha Soares; João Nunes e Paula Banza
Identificação de um problema - ausência de vernáculos
As borboletas são garantidamente o grupo de insetos mais acarinhado pelo público. A sua beleza, graciosidade, inocuidade e curiosa metamorfose contribuíram para a sua considerável presença nas nossas diversas manifestações artísticas e inspirações. São um símbolo, agora talvez mais necessário do que nunca para ser usado como bandeira pela conservação dos polinizadores, dos insetos e seus habitats.
O interesse social nestes animais manifesta-se também numa grande atenção por parte dos naturalistas e comunidade científica, sendo indubitavelmente a linhagem de insetos mais estudada e compreendida. Contudo, toda essa dedicação está longe de estar equitativamente distribuída por tudo o que é borboleta (ordem Lepidoptera; +160 mil espécies descritas). A maioria dos esforços estão antes direcionados para um subgrupo desta imensa biodiversidade – as borboletas diurnas (superfamília Papilionoidea, +19 mil espécies descritas). Todas as outras, as traças, de atividade maioritariamente noturna, mantêm-se na sombra. A associação Rede de Estações de Borboletas Noturnas - REBN, mais do que estabelecer um projeto de monitorização, comprometeu-se também a trazê-las à luz dos nossos dias; as noturnas.
Neste eixo da nossa atividade, o resultado que se destaca é evidentemente a edição mensal do Borboletim. Em cerca de 20 páginas, procuramos mensalmente desmistificar o papel destes organismos, apresentar a sua relevância ecológica, a sua história natural e a história do seu estudo em Portugal, e acima de tudo revelar a sua diversidade. É uma publicação muito elogiada pelo público naturalista, e inclusivamente por quadros académicos nacionais e internacionais. No entanto, temos a impressão que não é suficiente; o tema continua a apresentar algumas resistências à assimilação pelo público a que queremos chegar, aos potenciais naturalistas – aqueles que inconsciente ou conscientemente apenas precisam de um motivo, ou de algum acompanhamento, para usufruírem mais do mundo natural que os rodeia.
Em atividades com público, geralmente promovidas internamente, inclusivamente por cidadãos participantes no projeto, ou por associações parceiras, identificamos recorrentemente uma dificuldade nos participantes em referir-se às espécies de borboletas noturnas, em grande medida pela incapacidade de fixar os seus nomes. Isto é mais significativo nos participantes mais jovens, cuja sensibilização é ainda mais importante. Não conseguindo aludir a uma determinada espécie, muito dificilmente conseguirão atingir empatia pela mesma. Trabalhos recentes mostram precisamente o impacto que a existência de nome comum pode ter na atração de interesse, não só popular, mas também científico (em particular nos artrópodes, mas não só).
Projetos recentes em Portugal parecem ter notado a mesma resistência e propuseram uma solução. Um exemplo disso está presente no Guia da Flora de Portugal Continental da coleção Botânica em Português. Nesta obra, que aborda mais de 60% da diversidade de plantas vasculares assinaladas para Portugal continental, foi feita uma compilação dos vernáculos conhecidos para todas as espécies ilustradas, e ainda uma proposta de nome comum para as espécies sem designação popular conhecida. Esforços semelhantes já foram realizados também para as aves, e inclusivamente para as borboletas-diurnas.
Nesta linha, decidimos avançar com uma iniciativa, a qual apelidamos de “Dar nome à Traça”. Esta visa combater a enorme lacuna de vernáculos que existe nas borboletas noturnas, em particular nas vulgarmente referidas como “macro-borboletas”. Naturalmente, à semelhança de projetos anteriores, antes de se avançar com propostas de designação, pretende-se compilar os nomes existentes, primeiro consultando a bibliografia nacional e posteriormente através de inquérito, pois não podemos descartar a existência de designações populares desconhecidas da comunidade geral, mas ainda utilizadas em círculos mais restritos, por exemplo, do mundo rural.
Por fim, há uma vantagem relevante a referir no uso de nomes comuns - a estabilidade. A nomenclatura científica é dinâmica, a vernacular, após estabelecida, é quase estática. Isto é muito importante para a comunidade naturalista; pois é reconhecida a frustração de finalmente memorizar um nome científico para depois este deixar de ser utilizado em detrimento de outro igualmente difícil de decorar!
Acreditamos que o grau de afinidade dos naturalistas e do público em geral para com as espécies que observam e registam dependerá sempre também da existência de um nome comum, um vernáculo, i.e., um termo pelo qual se consigam referir à espécie sem ser o nome científico, invariavelmente em latim ou latinizado.
Proposta de solução - Projeto Dar nome à Traça
O nome diz muito. Com esta iniciativa, que se pretende prolongada no tempo, procuramos definir uma proposta de nome comum para todas as macro-borboletas noturnas de Portugal continental. Para isso, contamos com o apoio dos leitores da Wilder, e demais naturalistas e restante comunidade que queira participar.
Circunscrevendo o universo de espécie em questão, deixam-se alguns números e indicações. Em Portugal continental são atualmente conhecidas 2775 espécies de borboletas. Destas, 139 consideram-se diurnas (Papilionoidea). As restantes, as borboletas noturnas, são vulgarmente divididas entre macros e micros, onde, tal como os nomes indicam, o tamanho (envergadura) é usado como critério. A divisão é feita ao nível da família e, de forma a fixá-la para os fins deste projeto, seguem as famílias que se consideram macro: Hepialidae, Cossidae, Limacodidae, Cimeliidae, Drepanidae, Lasiocampidae, Brahmaeidae, Saturniidae, Sphingidae, Geometridae, Notodontidae, Euteliidae, Erebidae, Noctuidae, Nolidae. Na sua totalidade, estas famílias estão cá representadas por pouco mais de 950 espécies, que em si formam o domínio deste projeto.
Neste primeiro ciclo do projeto, entre março de 2024 e fevereiro de 2025, vão ser publicadas mensalmente 5 espécies de macro-borboletas ainda por nomear em artigos aqui na revista Wilder. Nos mesmos, será incluído um formulário para inserir uma proposta de vernáculo para cada espécie apresentada. Cada leitor poderá propor os vernáculos que entender. Os limites são os da imaginação e originalidade.
Aos leitores vão ser fornecidas informações relativas a seis eixos que consideramos relevantes para avançar com uma proposta de vernáculo para uma espécie, designadamente:
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Aspeto – onde se inclui a apresentação de uma foto ilustrativa da espécie e a sua envergadura. Aqui pretende-se que a morfologia, o padrão das asas, a cor, a posição de repouso e o tamanho da borboleta entrem para o processo de formulação de um nome.
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Fonte alimentar da larva – sendo a maioria das lagartas fitófagas, serão enumeradas as plantas-hospedeiras conhecidas necessárias ao desenvolvimento larvar da espécie. No caso de uma dieta muito específica, o nome da planta-hospedeira poderá contribuir para separar espécies semelhantes. Exemplos disso já estabelecidos para as borboletas diurnas são a azul-dos-freixos e a branca-do-pilriteiro.
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Vernáculo inglês – a comunidade naturalista inglesa possui um nome comum para cada espécie de macro borboleta noturna que por lá ocorre. É até atribuída à originalidade de muitos dos nomes a origem da popularidade local da armadilhagem de borboletas noturnas.
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Distribuição nacional e global – nas espécies onde o seu alcance é atribuível a um determinada região geográfica, a mesma pode servir para diferenciar espécies semelhantes. Um exemplo nas borboletas diurnas são a pirónia e a pirónia-mediterrânica. Por região geográfica entende-se não só regiões internacionais (e.g. bacia do Mediterrâneo, Península Ibérica) mas também nacionais (e.g. Algarve, Serra da Estrela).
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Habitat preferencial – este eixo nem sempre será fácil de desenvolver ou especificar. As borboletas, como insetos que são, nem sempre conseguem ser atribuídas a habitats particulares, sendo a sua presença ou ausência guiada por muitos fatores. Contudo, há espécies que são evidentemente típicas de charnecas, carvalhais, lameiros, sapais, amiais, etc. Nessas, o habitat pode ser considerado para a proposta.
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Etimologia do nome científico – apesar de nem sempre explícita ou conhecida, a origem do nome científico da espécie, isto é, a característica que o autor da espécie considerou para formular o seu nome, pode ser muito útil para nos inspirarmos. Exemplo disso nas borboletas diurnas é a douradinha-silvestre (Thymelicus sylvestris).
Pontualmente, quando justificável, serão fornecidas informações complementares relativas ao aspecto da lagarta, aos hábitos da espécie e outras curiosidades que podem ser consideradas pelos leitores.
Com todos estes dados, esperamos capacitar e incentivar os leitores a propor nomes para as espécies que lançarmos mensalmente. Apelamos à vossa imaginação e originalidade e à partilha e divulgação da iniciativa. A participação é fácil e certamente algo divertida. No percurso, aprenderemos todos um pouco mais sobre a enorme diversidade que nos rodeia.
Ao mesmo tempo, pediremos aos leitores para nos enviarem vernáculos que conheçam ou utilizem para as borboletas noturnas em geral (e.g. traças, bruxas) e em termos específicos (e.g. rosca para espécies do género Agrotis). Este contacto deverá ser direcionado para o nosso email: darnomeatraca@gmail.com. Estaremos também sempre disponíveis para esclarecer qualquer questão.
Nós, nos bastidores, estaremos a compilar a informação a disponibilizar mensalmente, a fazer o levantamento de nomes já existentes, a observar borboletas noturnas! Junte-se a nós na descoberta da vida que, por acaso, colonizou o turno oposto ao nosso; a noite.
Espécies envolvidas: Campaea margaritaria (Linnaeus, 1761); Camptogramma bilineata (Linnaeus, 1758); Ophiusa tirhaca (Cramer, 1777); Arctornis l-nigrum (Müller, 1764) e Achlya flavicornis (Linnaeus, 1758).
Ver descrição das espécies: Wilder.pt
Espécies envolvidas: Moma alpium (Osbeck, 1778); Zethes insularis Rambur, 1833; Plusia festucae (Linnaeus, 1758); Omphalophana serrata (Treitschke, 1835) e Euclidia glyphica (Linnaeus, 1758).
Ver descrição das espécies: Wilder.pt
Espécies envolvidas: Minucia lunaris (Denis & Schiffermüller, 1775); Asthena albulata (Hufnagel, 1767); Callistege mi (Clerck, 1759); Drasteria cailino (Lefèbvre, 1827) e Anticlea derivata (Denis & Schiffermüller, 1775).
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Espécies envolvidas: Calliteara pudibunda (Linnaeus, 1758); Chelis maculosa (Denis & Schiffermüller, 1775); Apocheima hispidaria (Denis & Schiffermüller, 1775); Cleora cinctaria (Denis & Schiffermüller, 1775) e Aethalura punctulata (Denis & Schiffermüller, 1775).
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Espécies envolvidas: Aplasta ononaria (Fuessly, 1783); Grammodes bifasciata (Petagna, 1786); Grammodes stolida (Fabricius, 1775); Lophoterges millierei (Staudinger, 1870) e Chlorothalpa graslini (Culot, 1913).
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Espécies envolvidas: Euplexia lucipara (Linnaeus, 1758); Brithys crini (Fabricius, 1775); Pseudoips prasinana (Linnaeus, 1758); Chloantha hyperici (Denis & Schiffermüller, 1775) e Elaphria venustula (Hübner, 1790).
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Espécies envolvidas: Chondrostega vandalicia (Millière, 1865); Cleorodes lichenaria (Hufnagel, 1767); Trachea atriplicis (Linnaeus, 1758); Chloroclystis v-ata (Haworth, 1809) e Calamodes occitanaria (Duponchel, 1829).
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Espécies envolvidas: Arctia tigrina (de Villers, 1789); Xylocampa areola (Esper, 1789); Chlorissa cloraria (Hübner, 1813); Parascotia nisseni Turati, 1905 e Acasis viretata (Hübner, 1799).
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